Alta exposição, baixa cobertura: o desafio do seguro diante das catástrofes na América Latina

Por Fábio Sarrico, Analista Sênior de Seguros da Celent

Em 2024 foram registradas 336 catástrofes globais, com perdas econômicas totais
de US$ 318 bilhões. Desse montante, US$ 137 bilhões corresponderam a perdas
seguradas por catástrofes naturais. Já 57% das perdas totais — o equivalente a
US$ 181 bilhões — não estavam seguradas (Swiss Re Institute). No primeiro
semestre de 2025, a Munich Re estimou perdas globais de US$ 131 bilhões, um
aumento de 20% em relação à média da última década.

O 2025 Global Natural Catastrophe Insurance Market Report destaca os
principais eventos de 2024 e seu impacto em todas as regiões, evidenciando não
apenas a crescente frequência e severidade dos eventos extremos, mas também as
limitações dos modelos tradicionais para lidar com riscos climáticos em larga escala.

Março de 2025 foi o terceiro mais quente já registrado, com temperaturas 1,31 °C
acima da média do século XX (NCEI). Segundo a GlobalData, o mercado global de
seguros contra incêndios e desastres naturais crescerá 7,7% ao ano até 2029,
alcançando USD 224,8 bilhões, impulsionado pela intensificação dos eventos
extremos e pelo uso de tecnologias que viabilizam novas coberturas e
monitoramento.

América Latina: alta exposição, baixa cobertura

Historicamente, a América Latina e o Caribe é a segunda região mais propensa a
desastres no mundo, atrás apenas da Ásia-Pacífico, enfrentando ameaças que vãode furacões a erupções vulcânicas, e de enchentes a secas. Ainda assim, cerca de
80% das perdas por catástrofes naturais não estão seguradas (Swiss Re
Institute, 2024).

Em 2024, a região enfrentou impactos significativos:
 Secas prolongadas no Brasil e no Pantanal, com perdas econômicas
acima de USD 6 bilhões.
 Enchentes no sul do Brasil: perdas acima de USD 7,5 bilhões; apenas
USD 1,4 bilhão segurados.
 Incêndios no Chile: mais de 137 mortes, 15 mil moradias afetadas e mais
de 74 mil hectares queimados.
Para 2025, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) prevê chuvas intensas
no noroeste e déficit de precipitação no nordeste e em áreas costeiras do Pacífico,
com impactos severos sobre agricultura, transporte fluvial e acesso à água potável.

Por que não fechamos a lacuna de proteção?
 Custo e acessibilidade: comunidades sem capacidade de pagamento ou
acesso a canais formais.
 Limitações tecnológicas: baixa integração de dados climáticos nos modelos
de precificação, subscrição e alocação de capital, devido a sistemas legados
e baixa maturidade analítica.
 Ambiente macroeconômico restritivo: queda no crescimento do setor, de
7,6% em 2024 para 3,8% em 2025 (GlobalData).
 Baixa educação securitária: desconhecimento sobre o valor e
funcionamento de novos produtos.
 Desconfiança institucional: percepção de ineficiência regulatória inibindo
investimentos.
 Defasagem produto–realidade climática: mesmo os seguros paramétricos
enfrentam limitações de dados, restrição de canais e contratos rígidos.

Tecnologia como motor de transformação
A tecnologia hoje é o núcleo de qualquer estratégia climática. No relatório
Navigating Liquid Risk: Rethinking Insurance for a World of Disruption, a
Celent apresenta o Climate Tech Enablement for Real-Time Insurance Response
Framework, que organiza a resposta do setor em camadas funcionais para

transformar o seguro de um contrato estático em um serviço vivo, capaz de se
antecipar aos eventos e não apenas reagir a eles.

Finanças e parcerias para escalar soluções

A tecnologia, sozinha, não basta. Fechar a lacuna de proteção exige também
mecanismos financeiros inovadores e alianças estratégicas que permitam
ampliar a cobertura e alcançar populações vulneráveis. Entre os exemplos:
 Cat bonds (ILS): USD 50 bilhões em circulação (GlobalData, 2024),
instrumento crescente para transferência de risco e captação de capital
alternativo.
 Parcerias público-privadas (PPP): combinando recursos públicos e
expertise privada para ampliar cobertura.
 Seguros paramétricos integrados a ILS: viabilizando pagamentos rápidos e
escalabilidade.
 Infraestrutura de dados e nuvem local: suporte para modelagem climática
baseada em IA e subscrição responsiva.
No caso brasileiro, o tema ganha visibilidade adicional com a COP30, que será
sediada em Belém (PA). O evento colocará o país no centro da agenda climática
global, criando um palco estratégico para posicionar o setor de seguros como aliado
essencial na adaptação e mitigação dos riscos. Iniciativas como a “Casa do
Seguro”, espaço temático que reunirá seguradoras, resseguradoras e parceiros
internacionais, mostram o potencial de criar soluções colaborativas que conectem
inovação, financiamento e resiliência socioambiental.

Conclusão
A lacuna de proteção na América Latina não é apenas técnica — ela reflete um
setor que ainda não consegue operar em tempo real diante de riscos que mudam a
cada minuto. Fechá-la requer tecnologias vivas, parcerias sólidas e um
redesenho operacional que transforme o seguro em uma ferramenta de
antecipação.

Porque, no mundo de hoje, proteção não é mais sobre cobrir o passado — e sim
sobre responder ao momento em que ele acontece.

Sobre o autor:

Fábio Sarrico é analista sênior da Celent, especializado em inovação tecnológica no setor de seguros. Atua na interseção entre risco, disrupção e transformação digital, com foco em subscrição adaptativa, riscos sistêmicos e modernização de sistemas core. É autor de diversos relatórios sobre arquitetura e avaliação de sistemas core, plataformas digitais e estratégias para que seguradoras atuem em ambientes de alta complexidade e volatilidade.

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