DESMISTIFICANDO AS OPERAÇÕES DE CRÉDITO ESTRUTURADO E A ESCOLHA DOS PARCEIROS DE DÍVIDA

Por Leandro Shimokawa

Uma das discussões mais comuns entre empreendedores é como definir a melhor estratégia de funding para o crescimento sustentável do negócio a longo prazo, quando mais do que nunca a capacidade de transformação, adaptação e inovação são componentes obrigatórias para qualquer empresa sobreviver em mercados competitivos.

De forma simplificada, há três maneiras para uma empresa se financiar: geração de caixa pelo próprio negócio, equity (capital próprio) e dívida – ou uma combinação delas. O desafio é navegar o crescimento buscando a estrutura de capital ideal para maximizar o valor da empresa. Dependendo da estratégia escolhida, ela poderá contribuir para o sucesso ou fracasso do negócio.

No universo financeiro, as estruturas de crédito estruturado têm emergido como poderosas alavancas para empresas em busca de crescimento, flexibilidade e inovação.

Neste artigo, desvendamos o potencial e as vantagens que o crédito estruturado oferece aos negócios que buscam essa alternativa e exploramos o processo de seleção estratégica dos parceiros de dívida e da estrutura de funding ideal. A escolha de um parceiro de dívida adequado vai além dos aspectos puramente financeiros, como veremos mais adiante.

À medida que nos aprofundamos em casos de mercado, fica evidente que a utilização de veículos de crédito estruturado, como FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), tem proporcionado um crescimento exponencial dos negócios que se aproveitam dessa estratégia.

Como Funcionam Estruturas de Crédito Estruturado?

Na captação via dívida, as empresas acessam duas vertentes: a dívida corporativa, com empréstimos bancários ou emissões de títulos próprios), e o crédito estruturado, via securitização de ativos. Uma vertente não exclui a outra, sendo maneiras complementares de acesso a capital. 

A dívida corporativa é comumente utilizada para financiar crescimento, incluindo fusões e aquisições (M&A), para ampliar cash runway (prazo estimado de caixa) e aumentar a eficiência no uso do capital disponível para a empresa. No entanto, à medida que mais empresas se tornam fintechs ou possuem braços financeiros, elas encontram outro uso crescente para a dívida: incorporar serviços financeiros como um produto auxiliar ou construir serviços financeiros como um produto central dos seus negócios. Neste caso, o crédito estruturado oferece vantagens relevantes a serem exploradas como solução de funding.

As estruturas de crédito estruturado referem-se a operações financeiras que permitem às empresas acessarem financiamentos por meio da securitização de ativos (especialmente via FIDC). Essa abordagem envolve a conversão de ativos, como recebíveis, empréstimos ou outros fluxos de renda, em títulos negociáveis que podem ser vendidos a investidores.

Esta abordagem oferece várias vantagens chaves para os originadores da estrutura:

  • Diversificação das fontes de financiamento: ao acessar o mercado de capitais por meio da securitização, as empresas não estão restritas a fontes de financiamento tradicionais, como empréstimos bancários e emissão de ações. Esta diversificação permite que as organizações minimizem sua dependência de uma única fonte de capital, reduzindo assim o risco de liquidez e potencialmente diminuindo o custo de capital devido à expansão do acesso a recursos.
  • Expansão da base de investidores e acesso a novas oportunidades: as estruturas de crédito estruturado ampliam a base de investidores ao tornar os instrumentos financeiros atrativos para uma variedade de participantes do mercado, especialmente aqueles que buscam determinados perfis de risco-retorno. Isso não só aumenta a liquidez e potencializa a captação de recursos, mas também abre portas para novas oportunidades de fontes de investimento, possibilitando às empresas alcançarem mercados previamente inacessíveis.
  • Gerenciamento aprimorado dos riscos: a transferência do risco de crédito para terceiros é outro pilar fundamental do crédito estruturado. Por meio da securitização, as empresas podem isolar certos riscos e distribuí-los entre aqueles investidores que possuem apetites e perfis específicos, do mais arrojado ao mais restrito, melhorando assim não somente sua governança interna, com base na estrutura elaborada em conjunto com seus investidores, mas também seu próprio perfil de risco. Este processo não apenas facilita o acesso a financiamentos em condições mais favoráveis, mas também permite uma gestão de riscos mais eficiente e diversificada. Em alguns casos, é possível desenvolver estruturas que não oneram o balanço da própria empresa (off-balance), permitindo às empresas manterem uma arquitetura de capital mais leve e flexível.
  • Otimização do fluxo de caixa e estrutura de capital: desde que o crédito estruturado tenha sido elaborado adequadamente, as empresas podem melhorar a previsibilidade dos fluxos de caixa e alinhar as estratégias de financiamento com suas necessidades operacionais e de investimento. Tal abordagem proporciona maior flexibilidade financeira e sustentabilidade a longo prazo. Isso é notório, pois por ter sido criada sob medida para atender às necessidades específicas de seus negócios, a estrutura passa a ser uma fonte de funding resiliente e adaptável a ciclos econômicos diversos.
  • Otimização tributária: No contexto brasileiro, a utilização de FIDC e outros instrumentos para securitização oferece vantagens bastante distintivas advindas da estrutura tributária favorável existente, o que pode resultar em eficiências fiscais significativas para as empresas que optam por utilizar essa modalidade de financiamento. Dentre elas, destaco:
    • Isenção de PIS/COFINS na alienação de direitos creditórios: reduzindo os custos transacionais associados à venda de tais direitos e tornando os FIDC uma opção ainda mais atraente para as empresas.
    • Tratamento favorável para investidores: com o advento da Lei 14.754/2023, os rendimentos recebidos por pessoas físicas investidoras de FIDC são tributados exclusivamente na fonte a uma alíquota regressiva, que pode ser tão baixa quanto 15%. Para investidores institucionais (fundos de investimento) a incidência de imposto de renda no FIDC investido poderá ser isenta. E para pessoas jurídicas, os rendimentos são tratados como receitas financeiras que, a depender do regime tributário da empresa, também pode incidir alíquota tão baixa quanto 15%.

Um exemplo clássico dessa estratégia pode ser observado no caso de montadoras de veículos, que utilizam a securitização para não sobrecarregar seu balanço com empréstimos feitos aos consumidores para a compra de carros. Uma performance financeira dominada por esses empréstimos, assemelhando-se à de um banco, poderia gerar hesitação por parte de investidores em produtos de crédito e equity ao financiar novas iniciativas de negócios e crescimento. 

Além do custo: fatores críticos na escolha de um parceiro

O crédito estruturado, com sua complexidade e flexibilidade, oferece um potencial significativo para empresas que buscam expandir suas operações e acessar capital de forma inteligente e estratégica. Fintechs, em particular, têm se beneficiado imensamente dessas estruturas, utilizando-as para acelerar seu crescimento e consolidar sua presença no mercado.

No entanto, a eficácia dessa estratégia depende largamente da escolha correta dos parceiros de dívida, em especial, a gestora do veículo de securitização. A escolha de um parceiro de dívida em crédito estruturado é uma decisão complexa que exige uma análise detalhada e deve ir muito além dos aspectos puramente financeiros, envolvendo confiança, comprometimento com inovação, compreensão do negócio, alinhamento estratégico, capacidade operacional de execução e reputação e impacto no branding:

  • Confiança pessoal: a relação com um parceiro de dívida transcende transações financeiras. É uma parceria que requer confiança mútua e necessita ter um viés de longo prazo. Em momentos de desafio, é vital ter um parceiro que esteja disposto a colaborar e buscar soluções, em lugar de precipitar crises. Essa confiança se constrói não apenas na solidez financeira, mas na compatibilidade de valores e na capacidade de comunicação transparente e efetiva. É imprescindível a escolha de parceiros que não apenas viabilizem recursos no momento da captação, mas que também estejam preparados para enfrentar desafios juntos, adaptando-se e respondendo às mudanças do mercado com soluções criativas. Antes de olhar apenas o custo, faça sua diligência em compreender como o parceiro atuou em momentos de adversidades em outras operações e sua capacidade e proatividade em agir de forma construtiva em situações de crise.
  • Capacidade de inovação: em um mundo onde a única constante é a mudança, empresas precisam de parceiros de dívida que não apenas compreendam essa dinâmica, mas que também sejam comprometidos com a inovação. Isso significa flexibilidade nos termos de financiamento, abertura para ajustar estratégias conforme o negócio evolui e a capacidade de oferecer soluções financeiras e operacionais que acompanham o ritmo da inovação de sua empresa. Esses parceiros estão mais propensos a oferecer soluções flexíveis e adaptativas que se alinham com as necessidades em evolução da empresa.
  • Compreensão do negócio e alinhamento estratégico: o parceiro ideal é aquele que entende profundamente o seu negócio e compartilha da sua visão. Isso vai além do conhecimento superficial do setor: trata-se de uma compreensão das nuances operacionais, dos desafios específicos e das oportunidades de crescimento atreladas à atividade da empresa e ao ativo a ser securitizado. Esse nível de entendimento permite que o parceiro de dívida ofereça não apenas capital, mas também insights valiosos, orientação estratégica e até mesmo acesso a redes de contatos que podem ser cruciais para o crescimento da empresa. Gestores ativos, que transcendem puramente a prestação de serviço de suas obrigações regulatórias são essenciais para oferecer este suporte.
  • Capacidade operacional de execução: é importante entender que realizar a gestão de operações de crédito estruturado não é uma habilidade que pode ser desenvolvida organicamente em um curto período de tempo. A complexidade das operações de crédito estruturado demanda aptidão tecnológica e um profundo conhecimento operacional sobre processos, controles e monitoramento, além de conhecimento legal, regulatório e de mercado. O parceiro ideal possui uma equipe multidisciplinar que combina expertise financeira e operacional, com insights legais e regulatórios, assegurando que todas as facetas da operação sejam gerenciadas com a devida diligência, agilidade e eficiência. A prioridade deve ser garantir a escolha de um parceiro que tenha um histórico relevante e os recursos intelectuais e operacionais necessários para gerir bem o mandato.
  • Reputação e impacto no branding: a associação com parceiros de dívida renomados e que sejam referência dentro do segmento em que estão inseridos pode elevar a percepção de marca de uma empresa, atuando como um selo de qualidade e confiabilidade no mercado. Isso não só fortalece a posição da empresa perante clientes e investidores, mas também pode ser decisivo na atração de novas oportunidades de negócio.

Você Sabia?

A maioria das startups que se tornaram unicórnios latino-americanos (sejam elas envolvidas diretamente com crédito ou não) utilizam e/ou já utilizaram ao longo de suas trajetórias algum instrumento de crédito estruturado, especialmente FIDC. Alguns exemplos são: Creditas, Neon, Nubank, Cloudwalk, Hotmart, Ifood, Quinto Andar, Mercado Bitcoin, PagSeguro, Stone, MadeiraMadeira, Rappi, Kayak, 99 e Decolar.

Várias das empresas acima não escolheram seus parceiros de dívida apenas com base em critérios financeiros, mas também consideraram em suas trajetórias de crescimento a compatibilidade estratégica, a compreensão do negócio, a capacidade desses parceiros de trazerem insights valiosos, execução operacional de excelência e orientação estratégica e consultoria legal e regulatória.

O resultado? Expansão acelerada, a capacidade de inovar continuamente e um posicionamento sólido que atraiu ainda mais investimentos e oportunidades. Estas empresas não apenas alcançaram escalabilidade e inovação através de estratégias de crédito estruturado bem definidas, mas também demonstraram como parcerias alinhadas e estratégicas podem acelerar o crescimento e fortalecer a posição no mercado. Essas histórias de sucesso ressaltam a importância de considerar uma gama de fatores ao escolher um parceiro de dívida, evidenciando que a decisão certa pode ser um diferencial competitivo significativo, ressalvando-se o fato de que o sucesso dessas empresas naturalmente também tem a contribuição de outros fatores, como a qualidade da equipe ou ambiente econômico e político favorável, por exemplo.

Resumo da história

O crédito estruturado representa uma fronteira repleta de oportunidades para empresas que buscam crescer e inovar. Compreender as vantagens que essas estruturas oferecem, juntamente com uma abordagem estratégica na escolha de parceiros de dívida, pode oferecer um maior potencial de sucesso no curto prazo, e uma liderança sustentável em seus mercados. Dedique tempo e recursos para pesquisar e escolher seus potenciais parceiros. Analise suas histórias, valores, reputação no mercado e casos de estudo relevantes. Fazer uma due diligence é crítico para entender não apenas a capacidade financeira do parceiro, mas também seu alinhamento estratégico e cultural com sua empresa e sua capacidade operacional de execução com a devida eficiência de processos, controles e monitoramento.

Sobre o Autor:

LEANDRO SHIMOKAWA é Sócio Gerente de Novos Negócios da Empírica, atuando com originação e estruturação de operações de crédito estruturado em diversos setores como imobiliário, tecnologia, meios de pagamento, financeiro, energia solar, saúde, educação, automotivo, entre outros.

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