A Delimitação de Riscos no Marco Legal dos Seguros: Análise do Artigo 9º da Lei nº 15.040/2024

Mudança enfatiza necessidade de clareza sobre riscos cobertos e interesses excluídos de forma inequívoca no contrato de seguro

Eric Henrique Alves Silva*

A Lei nº 15.040/2024, conhecida como Marco Legal dos Seguros, que entrará em vigor no último mês de 2025, introduzirá mudanças significativas na forma como os contratos securitários devem ser redigidos e interpretados.

Entre as diversas inovações apresentadas, destaca-se o artigo 9º, que enfatiza a necessidade de clareza sobre os riscos cobertos e os interesses excluídos de forma inequívoca no contrato de seguro, assegurando maior equilíbrio, eficácia, transparência e segurança jurídica nas relações entre segurado e seguradora.

Logo no caput do artigo 9º, a redação estabelece que o contrato cobre os riscos inerentes à espécie de seguro contratada, delimitando o escopo da garantia à modalidade específica acordada. Essa disposição reforça o princípio da mutualidade securitária, assegurando que a cobertura se restrinja aos eventos previsíveis e quantificáveis associados ao tipo de seguro.

Na sequência, o §1º aprimora a disciplina ao exigir que os riscos e interesses excluídos sejam descritos de forma clara e inequívoca, afastando cláusulas vagas ou genéricas que, no passado, favoreciam interpretações prejudiciais ao segurado, e que eram objeto de judicialização para discussão. Essa exigência decorre diretamente do dever de boa-fé objetiva, aplicável desde a fase pré-contratual (art. 422 do CC), e harmoniza-se ao Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, III), uma vez que os contratos de seguro frequentemente configuram relações de consumo.

Portanto, torna-se imprescindível que as cláusulas limitativas do contrato de seguro sejam redigidas de forma clara e inequívoca, especificando os riscos cobertos e os interesses excluídos, inclusive com formatação diferenciada em destaque, de modo a atrair a atenção imediata do segurado e evitar alegações futuras de nulidade por falta de clareza.

Já o § 2º prevê que, em caso de divergência entre a garantia delimitada no contrato individual e aquela constante nos modelos de contrato, notas técnicas ou atuariais submetidos ao órgão fiscalizador (SUSEP), prevalecerá o texto mais favorável ao segurado.

Essa regra, vista também em outros dispositivos da Lei (Art. 57), reflete uma opção legislativa pela proteção da confiança e pela aplicação do princípio in dubio pro consumidor, fortalecendo a boa-fé objetiva.

Contudo, a prevalência dessa proteção não pode ser aplicada quando a divergência decorrer da má-fé do segurado, resultante de informações inexatas fornecidas exclusivamente no momento da contratação, e desde que comprovado pela seguradora, evitando, assim, abusos e preservando o equilíbrio da mutualidade securitária.

Ademais, o § 3º do referido artigo, por sua vez, enfrenta a complexidade dos contratos que garantem múltiplos interesses e riscos, exigindo que cada cobertura da apólice especifique os requisitos exigidos para garantia de cada um dos interesses e riscos abrangidos pela cobertura, para que a nulidade ou ineficácia de uma garantia contratada não comprometa as demais.

Essa disposição assegura a preservação máxima da eficácia contratual, evitando prejuízos desproporcionais ao segurado, como a nulidade ou ineficácia total do contrato de seguro, incentivando a modularidade das apólices — aspecto especialmente relevante em seguros compostos, como os que combinam danos patrimoniais e responsabilidade civil.

Outra introdução importante está no § 4º, inspirado no artigo 780, do Código Civil, aplicável aos contratos de seguros de transporte de bens e de responsabilidade civil relacionada a essa atividade, o qual confere maior previsibilidade à regulação de sinistros, reforçando a boa-fé objetiva e minimizando disputas sobre o início e o término da cobertura.  

Isso porque, a redação do parágrafo delimita que a cobertura securitária inicia com o recebimento efetivo das mercadorias pelo transportador e cessa com a efetiva entrega ao destinatário, demandando comprovação material, como documentos fiscais ou recibos datados. Assim, é importante que os transportadores adotem protocolos rigorosos de documentação, mitigando riscos de controvérsias judiciais.

Por fim, o § 5º do artigo, estabelece que o contrato de seguro não poderá conter cláusulas que permitam a sua extinção unilateral pela seguradora ou que reduzam a sua eficácia além das hipóteses legais, como desequilíbrio econômico-financeiro, má-fé do segurado ou inadimplência. Portanto, essa normativa busca promover a estabilidade contratual e coibir práticas abusivas, impedindo a resolução arbitrária e imotivada do contrato de seguro, assegurando o equilíbrio entre as partes.

Conclusão

Em termos práticos, a redação do artigo 9º da Lei nº 15.040/2024 eleva o padrão de proteção nos contratos de seguro, ao priorizar clareza, equidade e previsibilidade. Além disso, o dispositivo sinaliza uma mudança paradigmática rumo a relações securitárias mais justas e eficientes. Contudo, não se pode ignorar que a norma trará novos desafios interpretativos, sobretudo em sinistros complexos, nos quais segurados poderão invocar coberturas amplas e seguradoras defenderem exclusões expressas. Esse cenário tende a estimular debates judiciais, exigindo do Poder Judiciário uma atuação equilibrada que preserve a confiança do segurado sem comprometer a sustentabilidade atuarial do mercado. O desafio futuro, portanto, será a construção de uma jurisprudência sólida e coerente, capaz de harmonizar os interesses em jogo e fomentar o crescimento sustentável do setor de seguros no Brasil.

Eric Henrique Alves Silva é advogado no Rücker Curi advocacia e Consultoria Jurídica.

ARTIGOS SIMILARES

Advertisment

redes sociais

POPULARES