Num mundo de crises interligadas, as seguradoras devem repensar a própria natureza do seguro e trabalhar para evitar que os eventos ocorram.
Às vezes, aqueles que observam a instabilidade geopolítica, as tensões econômicas, o aquecimento global e os debates acirrados sobre cultura e política dizem que o mundo está se desintegrando. Mas seria mais correto dizer que, na verdade, ele está se tornando cada vez mais interligado.
Considere o seguinte cenário: a crise climática torna os eventos climáticos extremos mais comuns. Incêndios e inundações danificam estradas, portos, centros de dados, fábricas e outras infraestruturas críticas. A infraestrutura danificada interrompe as cadeias de abastecimento, levando à perda de safras, atrasos nos navios e escassez ou aumento do custo da energia. Os preços sobem. A confiança nas instituições vacila. A agitação cresce. Agora preocupados com os problemas internos, os Estados se voltam para dentro. Políticas protecionistas são aprovadas. Os conflitos internos, sobre impostos, comércio ou migração, se intensificam. A instabilidade econômica e social cria um terreno fértil para a instabilidade geopolítica. As nações atacam a infraestrutura, as empresas ou os sistemas de informação umas das outras. Os ataques cibernéticos, patrocinados pelo Estado ou não, aumentam. Isso enfraquece nossa resposta às catástrofes climáticas. E assim o ciclo recomeça.
Mesmo apresentar isso como um ciclo é um pouco enganador. Esse fenômeno envolve riscos sobrepostos e interligados. A ligação entre causa e efeito se torna cada vez menos fácil de ver. Os desafios que mencionei são quase como fios diferentes na mesma corda emaranhada.
O que está acontecendo aqui?
A resposta a essa pergunta foi dada há alguns anos pelo falecido filósofo francês Edgar Morin. O que Morin percebeu é que, em um mundo globalizado e cada vez mais complexo, os desafios não chegariam um por um, mas todos de uma vez — que eles estariam ligados, sobrepostos e se reforçando mutuamente. Ele escreveu no início da década de 1990, logo após o fim da Guerra Fria, e percebeu que a rápida expansão da globalização econômica revelou o quanto as economias e infraestruturas nacionais estavam profundamente conectadas. As sociedades estavam vulneráveis a perturbações que podiam rapidamente se transformar de incidentes locais aparentemente isolados em crises internacionais complexas.
Morin baseava-se em conceitos emergentes da teoria dos sistemas e da ciência da complexidade. Esses campos são interdisciplinares ou transdisciplinares, envolvendo o estudo de grupos coesos de componentes relacionados e interdependentes que podem ser naturais ou artificiais. Os campos surgiram porque estava ficando cada vez mais claro que vivemos em um mundo de sistemas: climático, energético, digital, econômico, político. Cada um deles é bastante complexo. A percepção de Morin foi ver o que acontecia quando eles se sobrepunham. Um choque político na Europa Oriental pode elevar os preços dos alimentos em Nairóbi. Uma violação de dados em Tóquio expõe vulnerabilidades de infraestrutura em São Paulo. Uma crise se espalha para outra. Isso é uma “policrise”.
É fácil ver o desafio que isso representa para o setor de seguros. Com a tarefa de garantir a resiliência social, as principais seguradoras do mundo precisam encontrar uma maneira de lidar com um cenário de risco tão complexo que algumas já estão recuando. A mudança de mentalidade e abordagem necessária para passar de um lugar onde as crises são vistas como eventos separados, com seus próprios modelos, para um onde há realmente uma grande crise que é mais do que a soma de suas partes, é assustadora, para dizer o mínimo.
Dada a complexidade e a natureza em cascata dos eventos de policrise, a única abordagem praticável é repensar a natureza do próprio seguro. Tradicionalmente, o seguro ajuda as pessoas a recuperar o que perderam após um desastre. É claro que isso é uma simplificação, mas, para nossos propósitos aqui, serve. Agora, as seguradoras precisam impedir que os eventos ocorram, na medida do possível, e preparar seus clientes com antecedência para o caso de algo acontecer, caso isso ocorra de qualquer maneira.
Não, as seguradoras não têm uma bola de cristal. Mas elas têm algo parecido com isso. Já estamos usando dados de satélite para prever incêndios e inundações e monitorar a propagação do fogo e as zonas de inundação em tempo real. Já podemos usar análises de vulnerabilidade e programas de treinamento humano para proteger as empresas contra ataques cibernéticos (a maioria das violações ocorre devido a erros humanos dentro da empresa, tornando a criação de um “firewall humano” fundamental). Podemos trazer inteligência geopolítica, fornecida por consultores geopolíticos com profundo conhecimento que trabalham em governos e seus serviços de segurança, para garantir que as empresas tenham o máximo de conhecimento possível e possam tomar decisões com isso em mente.
Esta não é uma lista exaustiva do que as seguradoras são capazes de fazer atualmente, mas dá uma ideia do papel que a tecnologia pode desempenhar na resposta ao maior desafio que o setor de seguros já enfrentou. As ferramentas à nossa disposição são transformadoras. Elas redefinem o que é o seguro, mas, na medida em que o papel do seguro é garantir a resiliência da sociedade, elas, na verdade, “completam” o seguro, permitindo-nos ser a melhor versão de nós mesmos. Estamos nos tornando um parceiro proativo e, em um mundo como este, é exatamente disso que as empresas precisam.
Deixe-me ser claro: a policrise não pode ser resolvida. Mas pode ser navegada. As empresas podem se tornar mais resilientes e robustas, e a lacuna de proteção pode ser fechada. Isso significa que aqueles que administram e trabalham nessas empresas podem dormir tranquilos e traçar um rumo através das águas turbulentas desta policrise.
Este é o futuro dos seguros, e ele já está aqui.

Escrito por Pierre du Rostu, CEO da Plataforma Comercial Digital da AXA. O autor começou sua carreira em consultoria em 2011, antes de ingressar no Grupo AXA em 2015, onde ocupou vários cargos seniores na área comercial de P&C. Ele foi diretor de operações — P&C internacional na AXA XL e, em seguida, diretor global de inovação e arquitetura de negócios.