Escrito por Hernán Fernández do 100% Seguro
Na última quinta-feira, 16 de outubro, no terceiro e último dia do ITC Vegas 2025, o evento de inovação em seguros mais importante do mundo, o palco principal teve como protagonista Marcus Ryu, fundador e ex-CEO da Guidewire, que deu uma palestra inspiradora com muitas lições para os executivos do nosso setor.
Com um estilo tão reflexivo quanto provocador, o atual sócio geral da Battery Ventures e líder de investimentos em insurtech compartilhou sua visão sobre o futuro da inteligência artificial e seu impacto no negócio de seguros, combinando sua experiência como empreendedor, investidor e referência na transformação tecnológica do setor.
Entre o “maximalismo” e o “realismo” da inteligência artificial
Ryu iniciou sua apresentação lembrando como o entusiasmo pela IA atingiu níveis quase messiânicos nos últimos anos. Ele citou figuras como Sam Altman, Dario Amodei e Elon Musk, que previram a chegada da “IA super-humana” para 2025, e mencionou até mesmo o manifesto da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, que afirma que “qualquer desaceleração da IA custará vidas e é uma forma de assassinato”.
“Podemos chamar isso de ‘maximalismo da IA’, e é compreensível de onde isso vem, porque todos ficamos impressionados com a fluidez dos modelos de linguagem”, afirmou. “Interagir com um sistema tão versátil pode dar a sensação de estar diante de uma mente inteligente que leu tudo. Mas a realidade é que essas tecnologias ainda estão longe de uma inteligência geral real”.
O fundador da Guidewire destacou que, embora os modelos de linguagem sejam extraordinários em tarefas como pesquisa, resumo, reconhecimento de padrões ou tradução entre idiomas e sistemas, eles ainda apresentam limitações significativas. “Eles são muito úteis para o setor de seguros — por exemplo, na análise de documentos de sinistros e apólices, no atendimento omnicanal ou na modelagem de riscos com base em dados alternativos —, mas não devemos perder de vista que ainda estamos em um estágio inicial”, alertou.
Ryu se definiu como um “empirista” da IA: “Não sou cético nem maximalista. Acredito nas evidências. E a realidade é que, por enquanto, o impacto positivo da IA nas empresas tem sido mais lento, mais complexo e menos espetacular do que o previsto”, afirmou.
Segundo ele, os efeitos exponenciais observados entre 2022 e 2024 desaceleraram. “A escalabilidade dos modelos não garante mais avanços lineares, e as capacidades emergentes continuam limitadas no raciocínio causal, físico ou composicional. Mesmo os modelos de linguagem, treinados com todos os jogos de xadrez da história, cometem erros básicos de regras”, exemplificou.
Ele citou um estudo do MIT que revelou que 95% dos projetos de IA ainda não geraram um retorno mensurável sobre o investimento, o que para ele confirma que “os sistemas atuais são extraordinários, mas provavelmente não são a história completa”.
Um apelo ao realismo: lições do passado
Em tom anedótico, Ryu lembrou uma conferência da qual participou em 2000, pouco antes de fundar a Guidewire, na qual especialistas previam a iminente ruptura total do setor de seguros pelo então emergente “e-business”.
“O palestrante garantiu que haveria um mercado B2B online para seguros comerciais, que os corretores seriam eliminados como os agentes de viagens e que todos os seguros pessoais seriam vendidos digitalmente, assim como a Amazon vendia ração para cães”, relatou ele, rindo. “Se tivéssemos votado naquela sala, todos teríamos acreditado nessas previsões. E todos teríamos errado”.
Ryu explicou que essas previsões ignoravam a complexidade regulatória, o valor da consultoria e a natureza idiossincrática do seguro. “Hoje, os corretores continuam mais vivos do que nunca, enquanto metade dos alimentos para animais de estimação é vendida online”, ironizou.
A lição, disse ele, é clara: “Sejamos humildes ao prever o futuro, especialmente quando os outros não são. As linhas do tempo maximalistas sempre acabam sendo incorretas”.
3 dicas para os líderes do setor de seguros e do ecossistema insurtech
Na parte final de sua apresentação, Ryu compartilhou três conselhos ou “advertências” para empreendedores e líderes do setor de tecnologia de seguros:
1. Seja humilde ao fazer previsões.
“Muitos investidores e executivos fizeram afirmações exageradas sobre o que a IA atual pode alcançar. Vamos encarar essas declarações — e qualquer coisa que um VC como eu diga — com uma boa dose de ceticismo”, afirmou.
2. Respeite a complexidade da tecnologia empresarial.
“Os mesmos obstáculos que dificultaram a adoção da internet e da nuvem continuam presentes na era da IA. Os sistemas empresariais são complexos, interdependentes e não são facilmente simplificados. Os modelos de linguagem não têm bancos de dados nem estado; eles lutam com dados tabulares e não operam de forma determinística. Estamos apenas começando a entender como melhorá-los em ambientes reais”, afirmou.
3. Ame o setor de seguros.
Ryu fez uma defesa apaixonada do setor: “Nada me incomoda mais do que ouvir alguém do Vale do Silício menosprezar os seguros. Na minha empresa, era motivo de demissão usar a expressão ‘idade da pedra’ na mesma frase que ‘seguros’”.
E concluiu com uma reflexão que despertou o aplauso da plateia: “O seguro não é chato. É profundamente significativo para as pessoas nos piores dias de suas vidas. Se todas as empresas de capital de risco desaparecessem amanhã, o mundo continuaria girando. Mas sem seguros, milhões de pessoas ficariam devastadas. Nossa missão é apoiar aqueles que prestam esse serviço vital e dar-lhes a tecnologia que merecem”.
Com essa declaração, Marcus Ryu não apenas deixou sua marca no encerramento do ITC Vegas 2025, mas também um lembrete sobre a responsabilidade e o propósito que devem guiar a inovação em seguros: a tecnologia deve servir às pessoas, e não o contrário.