O crescente negócio de energia e transporte da Caterpillar está aproveitando o aumento da demanda impulsionado pela IA. À medida que os data centers que consomem muita energia se multiplicam e as operadoras buscam maior automação, a fabricante de equipamentos industriais superou as expectativas de lucros do terceiro trimestre, fazendo com que suas ações subissem 12%. Mas a história mais importante não está no balanço patrimonial, e sim em como a mudança da Caterpillar para máquinas autônomas está remodelando o risco — e criando grandes complicações para o setor de seguros.
A empresa registrou um aumento acentuado nas vendas de seus sistemas autônomos e de controle remoto para operações de mineração em comparação com os níveis pré-pandêmicos. Ao mesmo tempo, a demanda por caminhões industriais tradicionais e escavadeiras diminuiu constantemente nos últimos nove meses. Essa dupla tendência, com o aumento da automação e a desaceleração das vendas de equipamentos antigos, está forçando as seguradoras a enfrentar um cenário de exposição em rápida mudança.
“O seguro de equipamentos autônomos requer apólices e subscrições diferenciadas que entendam não apenas os motoristas e operadores, mas também contemplam a lógica da tomada de decisão das máquinas, incluindo os dados e códigos subjacentes”, disse Chad Eichelberger, presidente da Reliance Partners.
Um dos desafios mais significativos é a separação de hardware e software. A Caterpillar não vende apenas máquinas preparadas para autonomia — ela vende sistemas de retrofit separadamente, incluindo hardware, software e licenciamento recorrente. Isso transforma uma venda única de equipamentos em um modelo de serviços contínuos, efetivamente transformando a Caterpillar em fabricante e fornecedora de tecnologia. Para as seguradoras, esse modelo de serviço em camadas introduz um novo conjunto de responsabilidades: falhas de software, avarias no controle remoto, violações de segurança cibernética e disputas de nível de serviço.
À medida que a linha entre fornecedor de equipamentos e prestador de serviços se torna mais tênue, as estruturas tradicionais de apólices podem não se aplicar mais. A cobertura de erros e omissões pode precisar ser reestruturada para incluir riscos relacionados à tecnologia. As apólices de responsabilidade civil pelo produto agora devem considerar falhas não físicas — bugs de software, problemas de latência e erros de dados — juntamente com as tradicionais avarias mecânicas. E as apólices para contratos de serviço precisam de definições mais claras sobre garantias de tempo de atividade, responsabilidades de integração e suporte contínuo de software.
A meta declarada da Caterpillar de aumentar a receita de serviços de US$ 18 bilhões em 2019 para US$ 28 bilhões até 2026 ressalta o profundo compromisso da empresa com esse modelo híbrido. Essa mudança exige uma reavaliação de como as seguradoras subscrevem riscos para empresas que fabricam, vendem e prestam serviços a sistemas cada vez mais autônomos.
A complexidade jurisdicional adiciona outra camada de exposição. A Caterpillar começou a desenvolver sistemas que permitem que operadores em um país controlem máquinas pesadas implantadas a milhares de quilômetros de distância. Em um exemplo, operadores baseados nos EUA poderiam supervisionar equipamentos em minas na África ou outras regiões remotas. Essa dispersão global de pessoal e máquinas cria potenciais lacunas de responsabilidade. As reclamações podem atravessar fronteiras, sistemas jurídicos e estruturas regulatórias, levantando sérias questões sobre como e onde a cobertura do seguro se aplica.
A mudança para a operação remota também obriga as seguradoras a considerar se os segurados estão preparados para novas formas de risco. As máquinas controladas remotamente introduzem pontos de falha que não estão presentes nas configurações tradicionais: latência de comunicação, desconexão do sistema, falhas de software e até mesmo erros humanos remotos. Esses cenários exigem um tipo diferente de teste de estresse e validação — áreas que historicamente não fazem parte dos processos de due diligence das seguradoras de equipamentos.
A mudança da Caterpillar para a automação também apresenta uma consequência inesperada: a canibalização de suas próprias vendas de equipamentos. À medida que os sistemas autônomos melhoram a produtividade e prolongam a vida útil das máquinas, a demanda por novos equipamentos pode diminuir. Essa evolução transfere o risco de reclamações relacionadas ao produto para exposições relacionadas ao ciclo de vida e ao desempenho. Para as seguradoras, isso significa reavaliar os modelos de depreciação, as responsabilidades pelo valor de revenda e a estrutura de cobertura para programas de modernização, especialmente nos casos em que as atualizações são aplicadas a máquinas antigas.
A urgência por trás desse impulso à automação foi ampliada pela pandemia, quando minimizar a presença humana no local se tornou uma prioridade. As empresas aceleraram a implantação de soluções remotas e autônomas como forma de manter as operações e, ao mesmo tempo, reduzir a exposição a riscos à saúde. No entanto, essa rápida implantação muitas vezes ocorreu em detrimento de uma validação rigorosa. Os modelos de seguro construídos em torno dos ciclos tradicionais de equipamentos podem não levar totalmente em conta os riscos da implantação de tecnologia pouco testada em ambientes de alto risco.
